artigos e ensaios - 2014 / Mariza Peirano

Resenha - A antropologia médica de Martín Alberto Ibañez-Novión

Soraya Resende Fleisher & Carlos Emanuel Sautchuk (eds.)

Professores universitários dedicam-se, por ofício, a diversas tarefas: preparar e ministrar aulas, orientar alunos, realizar pesquisas, assumir cargos administrativos, divulgar o resultado de suas investigações, assumir posições públicas. Não haveria maior evidência de que um professor foi bem sucedido nestes afazeres do que receber a homenagem de antigos ex-alunos de graduação, hoje docentes, quando tomam a si o encargo de reunir seus principais trabalhos e divulgá-los para um público amplo sob a chancela da universidade onde ensinou. Anatomias Populares é o exemplo em questão. Editado por Soraya Fleischer e Carlos Emanuel Sautchuk, professores do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, o livro reúne onze trabalhos de Martín Alberto Ibáñez-Novión, que os antecedeu na mesma Universidade de 1973 a 2003, antes de sua morte prematura.

A dimensão da homenagem e o propósito de divulgar a obra do antigo mestre revelam-se no cuidado primoroso dos editores. Auxiliados por uma equipe de colaboradores – ex-alunos, colegas, familiares, tradutores, desenhistas – reviraram antigas publicações, papéis, documentos, relatórios, escritos inacabados, e produziram um livro com textos representativos, selecionados entre o material disponível. Um prefácio de Debora Diniz – pesquisadora reconhecida da área de bioética – e uma introdução bem construída pelos editores apresentam o autor em suas múltiplas dimensões, os caminhos que o levaram de Jujuy (província argentina onde nasceu, cresceu e começou a estudar) a Brasília, as trilhas intelectuais que percorreu, suas principais preocupações e interesses. Uma cronologia de sua vida e a listagem da sua produção bibliográfica completam a abertura. Em seguida, o livro é dividido em três blocos de trabalhos, definidos pelas pesquisas em três regiões geográficas (norte da Argentina, Sobradinho/ DF, sertão de Minas Gerais), antecedidos por um texto sobre a relação entre antropologia e medicina

O prefácio e a introdução são fundamentais para os leitores que não conheceram o autor (e também para quem com ele conviveu na vida acadêmica) pela abrangência dos tópicos que abordam. Martín foi uma pessoa alegre e gentil, prestativo e extremamente solidário, cativante no seu portunhol, mas reservado quanto às suas intensas atividades de pesquisa e seus resultados. Esta parte inicial do livro, portanto, revela-nos como foi precursor no estudo dos “cuidados de saúde”, definindo uma antropologia médica que, como em qualquer área da disciplina, tem uma conotação política, mesmo quando não é manifesta. Sempre um diplomata e apaziguador, fez sua bricolagem intelectual unindo a formação iniciada na medicina com sua sequência na antropologia. Da mesma forma, reuniu em sua identidade “estrangeira” seu país de origem e o de adoção. Um indício desta combinação íntima vem à tona na mistura de castelhano com português em seus escritos (mas corrigida no livro). De forma feliz, os editores notam como Novión “transitava entre mundos”. Leia na íntegra...