artigos e ensaios - 1993 / Mariza Peirano

As árvores Ndembu:

Uma reanálise

Tradicionalmente interessados e freqüentemente seduzidos pelo exótico, até recentemente os etnólogos foram procurar a diferença em um "outro" distante do seu grupo de referência. No início do século a diferença estava longe, geralmente além-mar - no estreito de Torres, nas ilhas da Melanésia, nas montanhas da Austrália, entre os Todas indianos. No decorrer do tempo, a diferença tornou-se mais acessível - Tallensi, Azande, Swazi, Nuer, Nyakyusa na África; Kwakiutl, Navajo, Zuni, Fox na América do Norte; Borôro, Jê do Brasil Central -; até que, depois da promessa estruturalista da reversibilidade do conhecimento antropológico, a diferença chegou ao gabinete dos próprios antropólogos, às instituições de apoio à pesquisa, aos trustees norte-americanos, aos imigrantes do "mundo pós-moderno".

A pesquisa de Victor Turner, realizada durante quase três anos entre os Ndembu da África Central, faz parte do esforço etnográfico empreendido pelo grupo de Manchester que, ligado ao Rhodes-Livingstone Institute e sob a liderança de Max Gluckman, contestava, na África, os "sistemas sociais" baseados em modelos estáticos. Victor Turner foi portanto um africanista, um etnólogo que pretendeu apresentar os Ndembu para o mundo acadêmico antropológico e, no mesmo projeto, questionar vários pressupostos da disciplina, especialmente no que diz respeito ao estudo de rituais e simbolismo.

Formado em uma tradição onde a organização social era requisito básico para que outros tópicos pudessem ser estudados, o primeiro trabalho de Victor Turner seguiu as prescrições da época. Sua tese de doutorado (depois publicada como Schism and Continuity in an African Society) trata de um grupo centro-africano em termos dos princípios estruturais conflitivos entre matrilinearidade e virilocalidade - o que fazia dos Ndembu um caso contrastivo com outras sociedades então estudadas de estrutura social estável, como os famosos Tallensi e os Swazi.Leia mais...