artigos e ensaios - 1982 / Mariza Peirano

Uma introdução brasileira à antropologia

A maior promessa de Relativizando, de Roberto da Matta, é a de que a antropologia social no Brasil está adquirindo uma perspectiva própria. Temos aqui não só uma introdução, mas um depoimento-testemunho do que é ser um antropólogo social e, especialmente, um antropólogo soclal brasileiro.

Esta não é a primeira vez que se escrevem "introduções" no cenário das ciências sociais no Brasil, embora, é verdade, tenha havido um hiato de algumas dezenas de anos desde que, nos anos quarenta, uma quantidade considerável de textos introdutórios foram publicados. Estes trabalhos - entre eles os Princípios de Sociologia de Fernando de Azevedo, o Teoria e Pesquisa em Sociologia de Donald Pierson, o Sociologia de Gilberto Freyre, o Dicionário de Etnologia e Sociologia de Herbert Balduz e Emílio Willems - visavam, antes de tudo, uma sistematização dos conhecimentos sociológicos então atingidos e destinavam-se à formação teórica dos alunos de escolas superiores e de escolas normais.

Embora uma "introdução", a perspectiva de Relativizando é totalmente outra. Roberto da Matta inicia o livro avisando o leitor que ele não encontrará um típico manual de antropologia, "daqueles que começam com a história e terminam com o corpo de conceitos da disciplina apresentados numa ordem canônica" (Matta, 1981a:11). Relativizando deve ser entendido mais como "uma perspectiva e um ponto de vista daquilo que, a meu ver, constitui o coração ou - se quiserem - a alma, da disciplina que chamamos Antropologia Social" (ibid:11). No final do Prefácio, quando Roberto da Matta confessa o caráter inacabado do livro, mas que o publica como uma perspectiva da matéria que, no seu caso particular, "constitui-se numa das mais fortes razões de viver" (ibid:25), o leitor já tem à sua frente muito do que peculiariza Relativizando - o tom sedutor com que Roberto da Matta envolve o leitor; o caráter pessoal que o autor imprime a seus relatos; o tom confessionário com que fala de suas perplexidades. Em certo sentido, mais que uma "introdução", Relativizando parece ser um exercício de autoreflexão de Roberto da Matta, um contar a si próprio, um prestar contas, do que representa a antropologia no mundo de hoje e o porquê desta opção. Neste sentido, o público do livro, imaginado como leigo, é o melhor interlocutor para este exercício.Leia na íntegra...