artigos e ensaios - 1988 / Mariza Peirano

Are you catholic?

Relato de viagem, reflexões teóricas e perplexidades éticas

"India - a hundred Indias - whispered outside beneath the indifferent moon, but for the time India seemed one and their own." (E.M. Foster, A Passage to India)

Naquela viagem de Roma ao Rio, meu companheiro de avião demorou a descobrir que eu era brasileira. Da mesma forma que inicialmente tomei-o como italiano, com seu terno escuro e colete, ele se deixou levar pelo fato de eu estar lendo um livro em inglês e, naturalmente, pela minha aparência pouco nativa. Mas, logo depois, como para recuperar o tempo, a série de perguntas destinadas a definir mais precisamente o rumo da nossa conversa foi colocada de uma só vez por aquele paulista de Itatiba: "Você é solteira? Casada? Tem filhos?"

Assim, foi necessário apenas eu responder "tenho", referindo-me naturalmente à última questão, e tudo se definiu. De maneira semelhante ao que havia ocorrido dois dias antes, na véspera do meu embarque em Nova Delhi. Mas, naquela ocasião, a pergunta chave não dizia respeito ao meu estado civil, mas à minha religião: "Are you catholic?". Diferentes contextos, diferentes culturas, ensinam os antropólogos, como eu, desde os cursos de introdução à disciplina. Outra trivialidade antropológica é dizer que na Índia a religião "encompassa" as outras dimensões sociais, situação da qual normalmente nos aproveitamos para desvendear o mistério desse verbo inexistente na língua portuguesa. É engraçado: preferimos o termo "encompassar" ao vernáculo "englobar", possivelmente porque, acostumados ao inglês e ao francês, aquela expressão traz a familiaridade do estrangeiro. Mas o certo é que viver uma situação em que esse fenômeno se mostrava na sua expressão mais corriqueira não deixou de surpeender e fascinar, além de sugerir que, às vezes, a vida repete a teoria.Leia na íntegra...