artigos e ensaios - 2000 / Mariza Peirano

A análise antropológica de rituais

Como o refinamento teórico das ciências sociais não é linear mas espiralado, é freqüente que eventuais reapropriações do passado sejam utilizadas como alavancas heurísticas. Tal fato não deriva de uma nostalgia intelectual, ou de um fascínio por teorias anteriores, nem da idealização de seu poder explicativo, mas porque, revisitadas, essas teorias revelam aspectos inesperados nas combinações e bricolagens que, então como agora, são, estas sim, produtos sempre atuais. Teorias sociológicas têm vínculo com a realidade empírica na qual são geradas, mas não são por esta determinadas; a relativa autonomia das teorias sociológicas as faz ao mesmo tempo efêmeras e contínuas.

O fato

É minha proposta que o estudo de rituais, tema clássico da antropologia desde Durkheim, assume um especial significado teórico e, menos óbvio, político, quando transplantado dos estudos clássicos para o mundo moderno. Nessa transposição, o foco antes direcionado para um tipo de fenômeno considerado não rotineiro e específico, geralmente de cunho religioso, amplia-se e passa a dar lugar a uma abordagem que privilegia eventos que, mantendo o reconhecimento que lhes é dado socialmente como fenômenos especiais, diferem dos rituais clássicos nos elementos de caráter probabilístico que lhes são próprios. Voltarei a este ponto. Por enquanto, basta mencionar que, na análise de eventos, mantém-se o instrumental básico da abordagem de rituais, mas implicações são redirecionadas e expandidas.

Esta é a perspectiva geral deste ensaio. Nele, procurarei situar a análise de rituais na história teórica da antropologia (cf. Peirano 1995, 1997) e seu vínculo com o exame de eventos contemporâneos, assim como indicar as conseqüências ao mesmo tempo disciplinares e políticas desta abordagem analítica. O ensaio divide-se em cinco seções: na primeira, discuto o tema magia e ciência como promotor da teoria antropológica no início do século; em seguida, apresento o contraste entre mitos e ritos e os aspectos positivos e negativos dessa dicotomia; na terceira parte introduzo o tema da eficácia social e situo a abordagem performativa para a análise de rituais; na quarta vinculo rituais a eventos mediante a relação entre cultura e linguagem; na quinta seção examino em detalhe o livro Leveling Crowds, de Stanley Tambiah, publicado em 1996, como exemplo da relação entre análise de rituais e teoria sociológica. Um epílogo em dois tempos focaliza a relação entre eventos, acasos e histórias no contexto da (política da) teoria contemporânea. Leia na íntegra...