artigos e ensaios - 2008 / Mariza Peirano

Etnografia, ou a teoria vivida

Inicio com uma constatação elementar - a de que conceitos acadêmicos, assim como outras idéias da nossa experiência, mudam no tempo e no espaço, isto é, são históricos e são contextuais. Nenhum conceito tem um significado perene e, especialmente, nas ciências sociais, a vida dos conceitos reflete o que Max Weber definiu como sua "eterna juventude". Para Weber, essa era uma característica positiva das ciências sociais e refletia um otimismo raro nele - o de que, por definição, essas ciências seriam sempre jovens, sempre em processo de elaboração e sofisticação, sempre renovadas.

A etnografia, antes

Dessa perspectiva da "eterna juventude", não é surpresa verificar que a idéia do que seja etnografia tenha uma história longa e freqüentemente espiralada, ou pendular - modificamos nossa concepção de etnografia, muitas vezes para voltar, revigorados, a um ponto familiar. Como em outros momentos na antropologia, devemos a Malinowski uma perspectiva que propunha e defendia a etnografia quando definiu a apresentação do kula como "interna", "etnográfica", isto é, em consonância com a prática e a perspectiva dos trobriandeses. Malinowski evitava uma descrição que chamou de "sociológica", resultado de uma observação "do lado de fora" - ele a considerava importante, sim, mas dizia que a utilizava apenas quando indispensável para dissipar concepções falsas e definir alguns termos. Mas era a distinção entre etnografia e etnologia que dominava a época - a etnografia era vista como mera descrição de dados; a etnologia, como uma tentativa de teorização dos dados prévios, considerados meramente empíricos, etnográficos. Naturalmente, etnologia tinha mais prestígio que etnografia.

Algumas décadas depois, já nos anos de 1950, foi a vez de Radcliffe-Brown enfraquecer a etnologia como o estudo histórico das sociedades primitivas - uma impossibilidade, para ele - e, por contraste, propor a antropologia social como um ramo da sociologia comparada. No Brasil, não foi diferente. Em 1961, ao fazer uma conferência na reunião da ABA, Florestan Fernandes estimulou os antropólogos ali reunidos a abandonar a perspectiva puramente empírica, etnográfica, e a ousar mais, almejando uma perspectiva teórica, etnológica. Leia na íntegra...