artigos e ensaios - 2018 / Mariza Peirano

Florestan Fernandes entre dois mundos: entrevista com Elide Rugai Bastos, Gabriel Cohn e Mariza Peirano

Este é o primeiro dossiê de Sociologia & Antropologia sobre um autor brasileiro. A escolha de Florestan Fernandes poderia parecer natural pelo lugar que ele ocupa na formação das ciências sociais no país e pela convicção, quase generalizada entre nós, de que se trata de um autor “clássico”. É justamente essa naturalização do lugar e do estatuto da obra de Florestan Fernandes, porém, que gostaríamos de problematizar e colocar em tensão com este dossiê. Reputamos que suas contribuições podem – e devem – ser testadas à luz dos problemas teóricos, metodológicos e empíricos sobre os quais se vêm debruçando as ciências sociais hoje, procedimento que permite simultaneamente “deslocalizar” sua obra para além de seus contextos imediatos de produção e trazer novos ângulos de observação de suas relações com esses mesmos (e outros) contextos. Durante muitos anos o interesse manifestado pelas ciências sociais brasileiras sobre Florestan Fernandes esteve, em grande medida, relacionado diretamente ao seu papel como ator central da institucionalização das ciências sociais na Universidade de São Paulo. Posição compreensível em vários níveis. A começar pelo fato de que entender a institucionalização das ciências sociais no Brasil no contexto de sua plena consolidação e grande dinamização nas duas últimas décadas do século passado parece ter constituído uma condição de inteligibilidade do próprio ofício de cientista social entre nós, esclarecendo o processo mais amplo e às vezes ambíguo em que ele se encontrava. Assim, a construção dos cursos, a imposição de um padrão científico universal ao trabalho acadêmico, a importação, aclimatação e tradução de recursos cognitivos a uma realidade social historicamente tão distinta da europeia que forjou essas disciplinas são temas inescapáveis da reflexão sobre as ciências sociais no Brasil. E são temas que contam já com uma longa história consolidada e também consagrada nas ciências sociais brasileiras. É certo que muitos deles começam a ganhar hoje novos interesses, como a questão da importação das ciências sociais, que passa a ser vista, também, em relação aos debates sobre eurocentrismo, pós-colonialismo e teorias Sul-Sul, por exemplo.

Procurando tirar consequências do já realizado, a aproximação a Florestan Fernandes como um autor clássico das ciências sociais que propomos neste dossiê é de outra ordem. Uma das melhores definições de “clássico” talvez seja mesmo a conhecida de Ítalo Calvino (2004), a de que clássico é aquele autor ou livro “que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. Movimento constitutivo das ciências sociais, que implica não uma, mas muitas histórias intelectuais que afetam sua prática cotidiana, voltar aos seus autores clássicos é sempre uma redescoberta. Na releitura, de fato, sempre podemos surpreender algo que o clássico já estava dizendo, mas que nós, de alguma forma, não dispúnhamos então dos recursos necessários para entender plenamente. Leia na íntegra...