artigos e ensaios - 1992 / Mariza Peirano

Artimanhas do acaso

"I am well aware that memoirs edit the facts, by censoring, adding to them, and above all by trying to make them consistent. I shall resist these tendencies but shall nol fully succeed".

(George Homans)

Há onze anos atrás, ao fazer uma série de entrevistas com cientistas sociais, observei um fenômeno curioso. Meu objetivo na época era esclarecer aspectos que haviam ficado nebulosos para mim, mesmo depois de haver lido as obras e estudado as carreiras intelectuais destes autores, a quem considerava fundamentais para a compreensão do desenvolvimento das ciências sociais no Brasil. A maioria deles havia nascido na década de 20 e estava, portanto, entre seus cinqüenta e sessenta anos de idade. Entre eles estavam Florestan Fernandes, Antonio Candido, Darcy Ribeiro e, o caçula, Roberto Cardoso de Oliveira. Nestas entrevistas, cuja duração foi de aproximadamente duas horas para cada autor, surpreendi-me ao ouvir com freqüência a expressão "Foi por acaso" ou "tratou-se de um fenômeno ocasional" para explicar mudança de rumo em determinado momento de suas carreiras. Todos lançaram mão do acaso nas conversas que mantivemos.

A minha surpresa tinha uma razão. Treinada em sociologia, eu partia do pressuposto corriqueiro de que cada pessoa adere a uma certa visão de mundo, mesmo que ela não seja explícita. Como se tratava de cientistas sociais, imaginava que o meu trabalho etnográfico seria facilitado pelos meus informantes de então. Minha suposição era de que eles provavelmente já teriam explícito o que o antropólogo geralmente constrói a partir das formulações vagas, muitas vezes confusas ou implícitas do que ouve durante a pesquisa de campo.Leia na íntegra...