artigos e ensaios - 2004 / Mariza Peirano

Pecados e virtudes da antropologia

Uma reação ao problema do nacionalismo metodológico

Nos últimos anos a antropologia vem sendo acusada de muitos pecados cometidos no decorrer do seu desenvolvimento. De fato, para muitos especialistas a disciplina não existe mais - pelo menos nos Estados Unidos a antropologia parece estar condenada à extinção. Personificando a pior das disciplinas "politicamente incorretas" durante as duas últimas décadas, a antropologia vem sendo substituída por alternativas como cultural studies, programas de STS (Science, Technology and Society), situated knowledges, etc., todas no contexto de uma pós-antropologia. Em outros lugares, contudo - Brasil e Índia, por exemplo -, a antropologia floresce. Sediada no centro, parece que ela vai bem na periferia, provendo uma abordagem positiva, crítica e construtiva. Como essa situação se relaciona com o tema do "nacionalismo metodológico" e o que a antropologia tem a dizer sobre isso são as questões que pretendo examinar aqui.

Pecados

A idéia contemporânea de incorreção da antropologia está associada a pecados cometidos no passado, dos quais gostaria de mencionar quatro.

O primeiro pecado tem a ver com relações de poder: por um longo período a antropologia definiu-se pelo exotismo do seu objeto de estudo e pela distância, concebida como cultural e geográfica, que separava o pesquisador do grupo pesquisado. Essa situação se dava em um contexto de dominação colonial, a antropologia "sendo o resultado de um processo histórico que tornou uma grande parte da humanidade subserviente a outra". Essa citação de Lévi-Strauss mostra que desde os anos 1960 não havia dúvida alguma de que a relação entre a antropologia e o seu objeto de estudo havia sempre sido de desigualdade e dominação. Mas essa consciência não impediu, na época, que os antropólogos continuassem suas pesquisas, como é o caso atualmente.Leia na íntegra...