capítulos de livros - 2006 / Mariza Peirano

De que serve um documento?

"When [in 1954], after almost twenty years of being stateless, Blücher took the oath and his papers arrived in the mail, he informed Arendt that the horrible time without papers 'in this even more horrible time of papers' was finally over - 'till the next time'."

(Elon 2001: 57-58).

Há nas ciências sociais contemporâneas uma divisão de trabalho discreta, mas persistente, na qual o Estado é visto como objeto legítimo de estudo de sociólogos e cientistas políticos; os antropólogos deveriam, senão continuar a pesquisar sociedades tradicionais, quando muito elucidar questões do mundo moderno relativas a padrões de sociabilidade. Essa divisão do trabalho, herdeira da época em que cientistas sociais estudavam suas próprias sociedades (ou utopias) e antropólogos, as civilizações não-ocidentais ou povos primitivos, é hoje vista como ultrapassada, mas se mantém na agenda das ciências sociais quando vemos que outra dicotomia sobrevive latente: trata-se de ver o Estado como relacionado à autoridade, e a nação, ao domínio da solidariedade. Assim, mesmo quando as propostas e/ou diagnósticos de transnacionalidade, globalização e integração mundial afloram, cientistas sociais dão testemunho dessa intrigante divisão entre Estado e nação que os atinge e que, paradoxalmente, indica o modelo inclusivo que compõem.

Para tratar deste tema, acompanho a opção de antropólogos que se forçam a cruzar fronteiras disciplinares, e faço-o com os pés fincados na história teórica da antropologia: para falar do Estado-nação, procuro examinar microeventos, na crença de que, para se dissolver as dicotomias, a comparação com contextos distintos (quer etnográficos, históricos e teóricos) é fundamental. Leia na íntegra...